terça-feira, 8 de setembro de 2009

AULA DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM - A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS



O que é Mediação de Conflitos?

Basicamente, pode-se dizer que a mediação é uma forma de lidar com um conflito (como, por exemplo, em caso de separação, divórcio, brigas entre vizinhos, etc.) através da qual um terceiro (o mediador ou a mediadora) ajuda as pessoas a se comunicarem melhor, a negociarem e, se possível, a chegarem a um acordo.


Em seu livro “Mediação Familiar”, a psicóloga Stella Breitman e a advogada Alice Porto fazem uma interessante análise sobre os diversos conceitos de mediação. Uma das definições mais abrangentes que essas autoras citam é de Tânia Almeida:

A mediação é um processo orientado a conferir às pessoas nele envolvidas a autoria de suas próprias decisões, convidando-as à reflexão e ampliando alternativas. É um processo não adversarial dirigido à desconstrução dos impasses que imobilizam a negociação, transformando um contexto de confronto em contexto colaborativo. É um processo confidencial e voluntário no qual um terceiro imparcial facilita a negociação entre duas ou mais partes onde um acordo mutuamente aceitável pode ser um dos desfechos possíveis (2001, p. 46).

A definição do processo de mediação de conflitos está diretamente relacionada à orientação teórica de seu/sua autor(a).
• Alguns autores enfatizam a resolução de conflitos, então a Mediação seria uma forma de resolução de conflitos.
• Outros destacam o acordo entre as partes, de tal forma que a Mediação teria como objetivo principal o acordo.
• Outros, ainda, ressaltam a comunicação; logo, a Mediação seria um meio de proporcionar uma melhor comunicação entre as pessoas em conflito.
• Há aqueles que salientam a transformação, de maneira que a Mediação transformativa é mais enfatizada, não importando se as pessoas chegam a um acordo ou não.

O processo de mediação é complexo, podendo comportar os conceitos de “resolução de conflitos” (ou gestão de conflitos), “acordo”, “comunicação”, “transformação”. Não deve ser visto, porém, de forma simplista, atado a apenas um desses conceitos.

Como bem salienta a advogada Águida Arruda Barbosa (2006), “a definição de mediação também se enquadra como espaço de criatividade pessoal e social, um acesso à cidadania. A mediação encontra-se num plano que aproxima, sem confundir, e distingue, sem separar”.

CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO

A mediação possui algumas características e princípios peculiares, entre os quais se destacam:


• Voluntariedade / Liberdade das partes
• Confidencialidade / Privacidade
• Participação de terceiro imparcial
• Economia financeira e de tempo
• Informalidade / Oralidade
• Reaproximação das partes
• Autonomia das decisões / Autocomposição
• Não-competitividade

Voluntariedade / Liberdade das partes

A mediação é voluntária e as pessoas devem ter a liberdade de escolher esse método como forma de lidar com seu conflito. Também devem tomar as decisões que melhor lhe convierem no decorrer do processo de mediação. Ainda que sejam encaminhadas obrigatoriamente para a mediação, como ocorre em alguns países, as pessoas envolvidas devem ter a liberdade de optar pela continuidade ou não do processo.

Confidencialidade / Privacidade

O processo de mediação é realizado em um ambiente privado. As pessoas em conflito e o(a) mediador(a) devem fazer um acordo de confidencialidade entre si, oportunizando um clima de confiança e respeito, necessário a um diálogo franco para embasar as negociações. Se eventualmente os advogados das partes também participarem de alguma sessão de mediação, devem ser incluídos neste pacto de confidencialidade.

Participação de terceiro imparcial

Na mediação, as partes são auxiliadas por um terceiro dito “imparcial”, ou seja, o(a) mediador(a) não pode tomar partido de qualquer uma das pessoas em conflito. Idealmente, deve manter uma eqüidistância com a pessoa “A” e a pessoa “B”, não pode se aliar a uma delas.


Informalidade / Oralidade

Em relação ao processo judicial, a mediação possui um procedimento informal, simples, no qual é valorizada a oralidade, ou seja, a grande maioria das intervenções é feita através do diálogo.

Reaproximação das partes

A mediação busca aproximar as partes, ao contrário do que ocorre no caso de um processo judicial tradicional. Para a mediação, não basta apenas a redação de um acordo. Se as pessoas em conflito não conseguirem restabelecer o relacionamento, o processo de mediação não terá sido completo. Segundo o professor Jose Luis Bolzan de Morais (1999), a mediação não será exitosa se as partes acordarem um simples termo de indenizações, sem conseguir reatar as relações entre elas.

Autonomia das decisões / Autocomposição

Através da autocomposição, o acordo é obtido pelas próprias pessoas em conflitos, auxiliadas por um ou mais mediadores.

O(A) mediador(a) não pode decidir pelas pessoas envolvidas no conflito; a estas é que cabe a responsabilidade por suas escolhas, elas é que detêm o poder de decisão. Como salienta Lília Maia de Morais Sales (2003, p. 47):

Mediação não é um processo impositivo e o mediador não tem poder de decisão. As partes é que decidirão todos os aspectos do problema, sem intervenção do mediador, no sentido de induzir as respostas ou as decisões, mantendo a autonomia e controle das decisões relacionadas ao conflito.

O mediador facilita a comunicação, estimula o diálogo, auxilia na resolução de conflitos, mas não os decide.

Não-competitividade

Na mediação, deve-se estimular um espírito colaborador entre as partes. Não se determina que uma parte seja perdedora e a outra ganhadora, mas que ambas possam ceder um pouco e ganharem de alguma forma. Procura-se amenizar eventuais sentimentos negativos entre as pessoas em conflito.

Mediação: uma novidade remota

Apesar de o processo de mediação não ser propriamente algo novo, as referências que têm sido feitas à sua utilização nos últimos anos fariam pensar, a quem não estivesse previamente familiarizado com o termo, que se trata de uma novidade.

A atividade da mediação apareceu em tempos muito antigos. Os historiadores relatam casos no comércio fenício (mas supõem seu uso na Babilônia, também). A prática desenvolvida na Grécia Antiga e, depois, na civilização romana, reconhecia a mediação. Os romanos denominavam os mediadores por uma variedade de nomes, incluindo internuncius, medium, intercessor, philantropus, interpolator, conciliator, interlocutor, interpres e, finalmente, mediador.

A mediação tem feito, de fato, sob diferentes formas, parte de numerosas sociedades e culturas. Segundo Moore (1999), a mediação tem longa e efetiva prática nas culturas judaicas, cristãs, islâmicas, hinduístas, budistas, confucionistas, além de muitas tradições indígenas.

Grande parte dos mediadores de épocas mais remotas era treinada informalmente e desempenhava o seu papel concomitantemente a outras funções ou deveres. Somente a partir da virada do século XX, de acordo com o autor previamente citado, a mediação tornou-se formalmente institucionalizada e desenvolveu-se como uma profissão reconhecida.

“Este crescimento deve-se em parte a um reconhecimento mais amplo dos direitos humanos e da dignidade dos indivíduos, à expansão das aspirações pela participação democrática em todos os níveis sociais e políticos, à crença de que um indivíduo tem o direito de participar e de ter o controle das decisões que afetam a sua própria vida, a um apoio ético aos acordos particulares e às tendências, em algumas regiões, para maior tolerância à diversidade” (Moore, 1999, p. 34).

Portanto, quando se menciona o termo “novas formas” de gestão/resolução de conflitos, deve-se ter em mente que são práticas de épocas remotas, com uma nova “roupagem” e uma melhor adequação às necessidades e complexidades da sociedade contemporânea.

DIFERENÇAS ENTRE MEDIAÇÃO E OUTRAS FORMAS DE GESTÃO DE CONFLITOS

Há uma certa confusão entre o processo de mediação e as demais formas de gestão (ou resolução) de conflitos. Algumas pessoas imaginam estar realizando uma mediação, quando na verdade fazem uma conciliação, por exemplo.

As formas de resolver os conflitos fazem parte de um contínuo no qual varia o grau de autonomia das decisões dos envolvidos, dentre as quais se destacam:

• Negociação
• Mediação
• Conciliação
• Arbitragem

Negociação

Não há participação de terceiro, as próprias pessoas em conflito buscam, por elas mesmas, a resolução do problema (autocomposição). Pode haver ou não a participação de representantes (ex: advogados).
Mediação

Há uma “autocomposição assistida”, ou seja, são os próprios envolvidos que discutirão e comporão o conflito, mas com a presença de um terceiro imparcial, que não deve influenciar ou persuadir que as pessoas entrem em um acordo. No processo de mediação existe a preocupação de (re)criar vínculos entre as pessoas, estabelecer pontes de comunicação, transformar e prevenir conflitos.

Conciliação

A conciliação é bastante confundida com a mediação, mas são institutos distintos. Na primeira, o(a) conciliador(a) faz sugestões, interfere, oferece conselhos. Na segunda, o(a) mediador(a) facilita a comunicação, sem induzir as partes ao acordo. Esse, aliás, é o objetivo primordial da conciliação; na mediação, por outro lado, o acordo será apenas uma conseqüência e um sinal de que a comunicação entre as pessoas foi bem desenvolvida.

Arbitragem

As pessoas em conflito elegem um árbitro para decidir suas divergências, utilizando critérios específicos. Não possuem, portanto, o poder de decisão.
A negociação, mediação, conciliação e arbitragem, ainda que sejam formas consensuais de solução de conflitos, possuem várias diferenças entre si, cabendo às pessoas decidirem qual o método mais adequado ao seu caso.

A Mediação e suas aplicações nos conflitos cotidianos

A mediação pode ser aplicada em uma variedade de conflitos e contextos, exemplificados abaixo:

Contexto familiar

• Pactos antenupciais;
• Separação, divórcio, dissolução de união estável (partilha de bens, alimentos, cuidados com os filhos - guarda, visitas, etc.);
• Cuidado com os mais velhos (por exemplo, qual dos filhos cuidará do pai doente, quem dará suporte, etc.);
• Empresas familiares;
• Conflitos entre irmãos;
• Conflitos sucessórios (testamento, herança), etc.
Contexto laboral
• Conflitos entre empregados e empregadores em geral;
• Despedida injusta;
• Discriminação racial, de gênero, de orientação sexual;
• Assédio sexual e moral;
• Greves, acordos coletivos, etc.
Contexto comunitário
• Vizinhança;
• Conflitos entre a comunidade e o governo local;
• Comunidades religiosas;
• Conflitos étnicos, etc.
Contexto escolar
• Disputas entre alunos;
• Entre alunos e professores;
• Entre membros do corpo docente e administração, etc.
Contexto organizacional
• Problemas entre sócios (ex: escritórios de advocacia, clínicas médicas, sociedades comerciais);
• Conflitos interdepartamentais;
• Alterações entre empresas;
• Disputas contratuais;
• Violações de patente, marca registrada e/ou propriedade intelectual, etc.
Contexto público
• Questões ambientais;
• Políticas públicas;
• Conflitos entre cidadãos e polícia;
• Entre municípios, governos estaduais, países, etc.
Contexto penal
• Prevenção da violência;
• Mediação entre ofensor e ofendido;
• Rebeliões nas prisões, etc.
Contexto médico-hospitalar
• Erro médico;
• Conflitos entre médicos, administradores e hospitais;
• Negação de cobertura e/ou pagamento da seguradora;
• Disputas bioéticas, etc.
Outros contextos
• Consumidores;
• Locador-locatário;
• Construção civil;
• Contratos em geral;
• Danos pessoais, etc.


Indicações e Contra-Indicações da Mediação

A mediação é bastante indicada para conflitos envolvendo indivíduos que devem manter relacionamentos continuados (vizinhos, familiares, colegas de trabalho, etc.), pois visa justamente preservar essas relações.


É importante, também, que haja um equilíbrio entre as pessoas em conflito, pois, caso contrário, se houver desigualdade ou manipulação do diálogo por uma delas, a mediação não será possível.

A mediação NÃO é indicada quando:

• Há grandes desníveis de poder entre os mediandos;
• Não existe interesse por parte de um ou ambos os lados em resolver a disputa;
• Há um desrespeito por parte dos mediandos aos princípios e regras da mediação;
• Existem problemas graves e/ou crônicos de saúde mental em um ou ambos os mediandos que impedem a comunicação e a tomada de decisões.*

*Importante: Desvios de personalidade muitos de nós temos, em maior ou menor grau (e viva a diversidade!). Mas quando se trata de transtornos mentais graves, há um padrão mais rígido de comportamento, uma percepção bastante distorcida da realidade e uma certa incapacidade para lidar com questões emocionais. Sem uma ajuda terapêutica a pessoa dificilmente conseguirá estabelecer uma comunicação clara e tomar decisões razoáveis, que são algumas das metas da mediação. Embora a mediação não se confunda com psicoterapia, não se pode perder de vista essas considerações. Se a pessoa não tem condições internas de realizar uma mediação, não se deve insistir.

Como ser um(a) mediador(a) eficaz

Antes de tudo, é necessário disposição e vontade. Disposição para questionar e deixar antigos conceitos (essa talvez seja a parte mais difícil).Vontade de aprender novas práticas e habilidades.

De acordo com as psicólogas Marilene Marodin e Stella Breitman (2002, p. 477), o(a) mediador(a) deve conservar uma postura eqüidistante das pessoas em conflito, não se deixando envolver por nenhuma delas, mantendo os seus próprios princípios e juízos de valor. “Isso significa que o Mediador não participa da cultura beligerante, antes facilita a solução da disputa, o que não significa resolver o conflito ou mesmo chegar a um acordo”, complementam as autoras.

William Simkin, citado por Jose Luis Bolzan de Morais (1999, p. 154-5), de forma espirituosa elenca algumas características importantes aos mediadores:

• A paciência de Jó;

• A resistência física de um maratonista;
• A habilidade de um bom psiquiatra de sondar a personalidade;
• A característica de manter confidências de um mudo;
• A pele de um rinoceronte;
• A sabedoria de Salomão;
• Demonstrada integridade e imparcialidade;
• Conhecimento básico e crença no processo de negociação;
• Firme crença no voluntarismo em contraste ao ditatoriarismo;
• Crença fundamental nos potenciais e nos valores humanos, temperada pela habilidade para avaliar fraquezas e firmezas pessoais;
• Docilidade tanto quanto vigor.

Breitman e Porto (2001) acrescentam mais algumas habilidades essenciais ao(à) mediador(a):

• Ter noções básicas dos campos do conhecimento relacionados ao conflito (Direito, Psicologia, etc.);
• Possuir um ótimo nível de comunicação, além de conhecer as técnicas de comunicação verbal e não-verbal;
• Saber perguntar e escutar ativamente, com muita atenção;
• Ser ativo no auxílio às pessoas sem influenciar em suas decisões;
• Adotar uma postura de cordialidade a fim de favorecer um clima de respeito e de confiança;
• Ajudar as pessoas a abandonar a posição queixosa;
• Desenvolver a capacidade de empatia;
• Manter uma distância adequada entre seus próprios problemas, dificuldades, crenças e preconceitos e o de seus clientes;
• Saber decodificar o conflito, favorecendo a percepção e a compreensão do mesmo pelas pessoas envolvidas;
• Saber reconhecer seus limites.

Fases da Mediação

Os estágios do processo de mediação, embora tendam a possuir uma estrutura básica, podem apresentar algumas variações conforme a orientação teórica do(a) mediador(a).

Os autores Bush e Folger (2005) crêem que a prática da Mediação Transformativa não segue um modelo linear de estágios. Durante uma sessão de mediação, as pessoas “espiralam” através de diferentes atividades, que emergem em uma ordem não específica. As partes podem circular através dessas atividades diversas vezes, à medida que novas informações e contextos vão sendo criados por elas durante a sessão de mediação. Essas atividades, que contribuem para a transformação do conflito, podem incluir:

• Criação do contexto;
• Exploração da situação;
• Deliberação;
• Exploração de possibilidades;
• Tomada de decisões.

De acordo com Haynes e Marodin (1996), o processo global de mediação inclui nove estágios:

1. Identificando o problema
2. Escolhendo o método
3. Selecionando o mediador
4. Reunindo os dados
5. Definindo o problema
6. Desenvolvendo opções
7. Redefinindo posições
8. Barganhando
9. Redigindo o acordo

1. Identificando o problema – inicialmente, as partes devem reconhecer que há um conflito e que desejam resolvê-lo.

2. Escolhendo o método – as pessoas necessitam decidir sobre o método mais adequado para resolver o problema.

3. Selecionando o mediador – a seleção é baseada na reputação e na experiência do(a) mediador(a).

4. Reunindo os dados (buscando informações) – o(a) mediador(a) coleta informações sobre a natureza da disputa, a percepção dos envolvidos no conflito e qualquer outro dado importante.

5. Definindo o problema – a partir da informação compartilhada, o(a) mediador(a) ajuda as partes a definirem o problema, de forma mútua, não beneficiando uma pessoa em detrimento da outra.

6. Desenvolvendo opções – após definido mutuamente o problema, o(a) mediador auxilia as pessoas a elaborarem opções para resolvê-lo. As opções individuais devem ser descartadas, favorecendo-se as opções mútuas, que podem ser criadas através da técnica de “brainstorming” (tempestade de idéias). Se o processo de gerar idéias não resultar em uma variedade de opções, o(a) mediador(a) pode auxiliar as partes, sugerindo opções provenientes de casos similares.

7. Redefinindo posições – o(a) mediador(a) ignora as posições iniciais cristalizadas, auxiliando as pessoas a identificarem seus reais interesses que embasarão as negociações.

8. Barganhando – nessa fase há uma negociação sobre as escolha de soluções para que o acordo seja aceitável por todos os envolvidos.


9. Redigindo o acordo – o(a) mediador(a) redige um termo de entendimento, com linguagem clara e compreensível, no qual detalha o acordo realizado (incluindo os dados passados, a definição do problema, as opções escolhidas e a razão para a escolha, o objetivo do acordo), distribuindo uma cópia para cada participante.


Os itens 4 a 8 integram os ciclos do processo de mediação, que podem ser repetidos várias vezes.

Ou seja, para cada questão há uma reunião de fatos, definição do problema, desenvolvimento de opções para resolver o problema, redefinição de posições e barganha.

A Mediação e seus mitos - parte I

Mito n.º 1: “O(A) mediador(a) irá julgar o meu caso”
Os mediadores, conforme sua orientação teórica, atuam de forma mais ou menos diretiva, mas não possuem o poder de julgar; se assim o fizerem, estarão abandonando completamente os princípios da mediação. No contexto brasileiro, as recomendações do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA) são bem claras:


A Mediação transcende à solução da controvérsia, dispondo-se a transformar um contexto adversarial em colaborativo. É um processo confidencial e voluntário, onde a responsabilidade das decisões cabe às partes envolvidas. Difere da negociação, da conciliação e da arbitragem, constituindo-se em uma alternativa ao litígio e também um meio para resolvê-lo (destacamos).

O projeto de lei sobre Mediação (Projeto de Lei da Câmara nº 94, de 2002), por sua vez, prevê:

Art. 2º Para fins desta Lei, mediação é a atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, escolhido ou aceito pelas partes interessadas, as escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes permitir a prevenção ou solução de conflitos de modo consensual (grifamos).

Art. 24. Considera-se conduta inadequada do mediador ou do co-mediador a sugestão ou recomendação acerca do mérito ou quanto aos termos da resolução do conflito, assessoramento, inclusive legal, ou aconselhamento, bem como qualquer forma explícita ou implícita de coerção para a obtenção de acordo (grifamos).

No entanto, existem alguns termos que podem confundir as pessoas sobre o papel dos mediadores, como ocorre, por exemplo, com a expressão “juiz mediador”. Se fomos procurar no Google o referido termo (assim mesmo, entre aspas), aparecerão mais de 340 resultados em Português, sendo 80 referentes a páginas do Brasil.

O Tribunal de Mediação e Arbitragem do Estado do RS é uma das instituições que utilizam o termo “juiz mediador”. Em última análise, o profissional que trabalha nessa instituição exerce a função um árbitro, uma vez que elabora uma “sentença homologatória arbitral”, prerrogativa que jamais poderia ser atribuída a um mediador.

A expressão “juiz mediador” também é utilizada por alguns para designar aquele magistrado que, na realidade, possui características mais conciliatórias do que propriamente mediadoras, como ocorre, por exemplo, no texto publicado no site da Associação dos Magistrados Brasileiros.

A respeito do papel do "juiz-mediador", o prof. Johan Galtung, em seu artigo "Métodos para Terminação de Conflitos: dos Processos Judiciais à Mediação", adverte que:

Como o juiz não está qualificado para este papel [de mediador], salvo por algum treinamento extra, inclusive não-jurídico, este juiz mediador provavelmente cairá na função mínima do mediador que é a de facilitador.


Portanto, a função dos mediadores não pode ser identificada com o termo “juiz mediador”. Esse último diz respeito a alguém com capacidade de deliberação, que até pode seguir alguns princípios da mediação, mas, na medida em que profere uma decisão (seja ela judicial ou extrajudicial), não é, propriamente, um “mediador”. Salvo raríssimas exceções*, o termo “juiz mediador” comporta definições incompatíveis entre si e pode confundir a representação social sobre o papel dos mediadores.

Devemos ter cuidado para que esses equívocos não sirvam para desvirtuar os princípios práticos e éticos da Mediação, a qual, justamente por ainda ser incipiente em nosso país, já possui desafios bastantes para se estabelecer e não necessita de mais confusões acerca de sua aplicação.

A Mediação e seus mitos - parte II

“Devido à aceitação de certos mitos, alguns advogados se recusam a oferecer a seus clientes os benefícios da mediação”. É o que afirma Steven Rosenberg, em seu artigo “Real litigators don’t eat quiche & other myths about mediation”, no qual destaca e refuta algumas concepções errôneas dos advogados sobre o processo de mediação.

Mito: Um litigante tenaz, efetivo, impiedoso não deveria mediar, porque litigantes de verdade não fazem mediação.

Fato: “O problema com este mito”, afirma Rosenberg, “é que ele assume que a única maneira efetiva de resolver uma disputa é no tribunal, ou pior, depois de uma litigância prolongada. Os clientes estão tipicamente preocupados com o resultado final e não como ele é obtido. O melhor litigante é aquele que obtém resultados satisfatórios para seus clientes, e é flexível nos métodos pelos quais esses resultados são obtidos”.

“Um defensor vigoroso e eficaz usa uma variedade de técnicas e habilidades para promover os interesses de seus clientes. A mediação é uma dessas técnicas. Há muitas situações nas quais a mediação é o método mais efetivo para promover os interesses do cliente. Assim, um advogado deve estar alerta às oportunidades para utilizar a mediação. Por exemplo, a mediação pode permitir a uma parte que obtenha significativa reparação, rápida o suficiente para constituir um benefício, ou quando remédios jurídicos ou monetários são inadequados”.

Mito: Na mediação, serei coagido ou molestado para o acordo, ou terei que encarar uma abordagem de “chegar a um meio-termo”.

Fato: “Você tem o controle na mediação, um acordo coagido não pode acontecer porque todo o processo é voluntário. As decisões relativas a ingressar na mediação, a permanecer em mediação, e a entrar em um acordo estão sob o seu controle. Você pode terminar a mediação a qualquer tempo. O mediador não possui poder algum para compelir a um acordo. Além disso, devido ao fato de a resolução emanar das partes e não do mediador, uma abordagem volúvel de ‘chegar a um meio-termo’ não pode ocorrer. A solução acordada é resultado de um processo informado, considerado e baseado em princípios, não na coerção”.

Mito: Sugerir a mediação será interpretado como um sinal de que seu caso é muito fraco para levar a juízo.

Fato: “A disposição de um advogado para mediar freqüentemente demonstra confiança em seu caso, uma vez que ele será exposto ao exame de uma parte neutra e a discussões abertas sobre suas forças e fraquezas. O advogado da parte contrária reconhece a mediação como uma ferramenta apropriada e valiosa para solucionar o litígio. Além disso, uma vez começada a mediação, o mito do ‘caso fraco’ se dissipa à medida que as evidências clarificam as questões e os valores reais de cada parte tornam-se claros”.

Rosenberg continua, afirmando que “se você está preocupado sobre uma implicação de fraqueza como resultado de sugerir a mediação, pode tentar uma ou mais das seguintes abordagens. Primeiro, quando você tiver seu contato inicial com o advogado da parte contrária, pode explicar que é uma política de seu escritório encaminhar a maioria dos casos para mediação. Segundo, você pode deixar a cargo do mediador tentar trazer a outra parte para a mediação. A maioria dos mediadores oferece esse serviço e provavelmente terá sucesso em obter um acordo para mediar”.

Mito: Tenho um “ganhador certo”; conseqüentemente, a mediação não é necessária.

Fato: “Mesmo um ‘ganhador certo’, se é que ele existe, é mais caro e consome mais tempo para litigar do que para entrar em um acordo. Se for de fato um caso convincente, você deveria obter um acordo favorável prontamente. Ao contrário, se seu caso é fraco, você tem a oportunidade de explicar para o outro lado a realidade dos custos e do tempo necessário para obter a reparação”.

“Além do mais, seu cliente será ‘educado’ pelo processo de mediação e, talvez, torne-se mais realista sobre seu caso. Ao mediar e resolver o caso mais cedo, haverá mais dinheiro disponível para o acordo, criando uma situação melhor para todas as partes envolvidas”.

Mito: A mediação será uma perda de tempo e de dinheiro se o caso não for resolvido.

Fato: “A maioria dos casos entra em um acordo. Mesmo naqueles que não entram, muitas coisas podem ser realizadas. Freqüentemente as partes irão concordar em questões menores e, de outra forma, irão agilizar o caso. Paralelamente, as partes podem desenvolver um plano consentido para simplificar o caso. Além disso, as partes freqüentemente relatam uma consciência intensificada das forças, fraquezas e sutilezas de seu caso. Finalmente, depois da mediação os advogados muitas vezes obtêm maior apoio de seus clientes, à medida que se preparam para o julgamento. Os clientes perceberam os esforços de seus advogados em entrar em um acordo e reconheceram a necessidade de levar a juízo a matéria”.

Mito: O uso da mediação reduzirá meus rendimentos.

Fato: “Oportunizar satisfação à clientela através do uso da mediação é uma das melhores formas de reter e atrair clientes e, assim, aumentar seus rendimentos. A satisfação do cliente é aumentada pelo uso da mediação não apenas porque a disputa é resolvida mais rapidamente e de forma mais econômica, mas porque o cliente exerce um papel mais ativo no processo”. Nesse sentido, Rosenberg destaca a importância do oferecimento de serviços de mediação pelos escritórios de advocacia. “Se o seu escritório não providenciar serviços cruciais como o de mediação, os clientes irão utilizar outros escritórios que providenciam”, afirma.

A Mediação e seus mitos - parte III


Mito:“Isso eu já faço no meu escritório.”

Alguns advogados, ao estimular o acordo entre os seus clientes, ou ao realizar uma separação consensual, por exemplo, pensam estar realizando uma mediação. Na realidade, sem uma formação específica, ninguém pode afirmar categoricamente que faz mediação, pois essa exige um mínimo de conhecimento acerca das técnicas de comunicação, dos aspectos psicológicos do conflito e das relações de poder e outros temas que vão muito além de um curso de Direito.

Nesse sentido, advogado português Jorge Veríssimo, em seu artigo “Tem dúvidas sobre a Mediação? Consulte o seu Advogado”, do Boletim da Ordem dos Advogados de Portugal, afirma que, diversamente do que se imagina, não existe apenas uma técnica de mediação; na verdade, há diversas abordagens e variados métodos, cuja utilização vai depender de fatores como a personalidade do(a) mediador(a), das pessoas envolvidas no conflito e da questão a ser mediada. Por isso, segundo Veríssimo, “os mediadores devem na sua formação adquirir técnicas diversas para que melhor possam escolher a mais adequada”, salientando a importância da formação do mediador:


“Todos nós temos ouvido dizer que ‘ou se nasce mediador ou não’ e que será uma aptidão a desenvolver por quem a possuía ou um talento resultante da prática.


No âmbito mais restrito dos advogados, qualquer um, com a sua prática de anos de negociações que, com maior ou menor frequência, desembocam em acordos, se tem na conta de um bom mediador, sem que tenha tido qualquer formação em mediação.

Nada mais falso: o talento nesta matéria não chega. O mediador deve assimilar um mínimo de conhecimentos, técnicas de conhecimentos, prestar-se a um treino simples, mas concreto, e aceitar uma autoavaliação que evidencie as suas fraquezas e a sua necessária correcção. E para além da formação específica, é aconselhável a formação contínua.

A corroborar o que se acaba de expor, do elenco de requisitos para ser mediador constantes da referida Lei n. 78/2001, de 13 de Julho [de Portugal], encontramos o de ‘estar habilitado com um curso de mediação reconhecido pelo Ministério da Justiça’ (art. 31 al. d.)

E nalguns dos centros atrás referidos, junto dos quais quem tenha seguido uma formação pode ficar acreditado como mediador, a sua futura manutenção como tal depende da prova de formação continua.

Naturalmente, para além daquela, ainda que alguns possam revelar-se excelentes mediadores logo após terem seguido uma formação, a experiência é indispensável.

Deve reconhecer-se que, dada a novidade da mediação, em Portugal e também na Europa, são ainda raros os mediadores experimentados em matéria civil comercial. É a sua divulgação que permitirá que a experiência se desenvolva com benefício para todos.

Na escolha do mediador são habitualmente mais importantes as suas capacidades do que a sua familiaridade com a matéria do diferendo” (grifei).

Como afirma o dito popular, “de médico e de louco, todo mundo tem um pouco”. Talvez possamos acrescentar, “de médico, de louco e de mediador, todo mundo tem um pouco”. No entanto, assim como o exercício da medicina não requer apenas boa vontade, mas um diploma, ser mediador não é apenas uma questão de talento – é necessária uma formação inicial e contínua, além de uma prática constante.

A mediação familiar

"Os conflitos familiares são bastantes complexos porque envolvem emoções e sentimentos ocultos como mágoa, dor, vingança, entre outros. É precisamente nos conflitos familiares que a mediação familiar encontra a sua mais adequada aplicação, uma vez que a tensão das relações familiares exige em muitos casos, uma solução diversa da decisão judicial", afirma o Juiz de Direito do Tribunal de Família e de Menores da Comarca de Funchal (Portugal), Mário Rodrigues da Silva, em seu artigo sobre Mediação Familiar, cuja leitura recomendamos.

O magistrado esclarece, entre outras coisas, que o “recurso à mediação familiar tanto pode ocorrer antes do recurso aos tribunais, procedendo-se posteriormente à homologação judicial do acordo obtido, como pode ocorrer durante a pendência de um processo (haja ou não contestação/oposição).


Neste último caso a instância judicial é suspensa por ocorrência de um motivo justificado e as partes são remetidas para a mediação familiar. Se as partes obtiverem um acordo, o juiz em princípio irá homologar, após parecer do Ministério Público, o acordo obtido. Caso não haja acordo, as partes voltam para Tribunal que exercerá os seus poderes de conciliação, prosseguindo os autos os seus termos legais.


Obviamente, também será possível a intervenção da mediação judicial, após a decisão judicial ter sido proferida, prevenindo-se ou solucionando-se situações de incumprimento”.

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